Saúvas
A atividade da
agricultura era um desafio para os moradores de Alvelos. A população de saúvas
era abundante no lugar, fato que dificultava o plantio. Viajantes que passaram pela
região dentro do Lago de Coari há época, descreveram que “não havia plantação
alguma, porque os moradores não podiam cultivar os seus terrenos... mais
próximos inundados de saúva”[1].
Estas formigas selvagens representavam um obstáculo natural de grande
dificuldade, um problema sério para o desenvolvimento da agricultura do lugar.
“As multiplicadas formigas, que infestam as terras, acanham muito a abundância
que poderia gozar este lugar”. Antônio Caetano do Amaral registrou o fenômeno
natural da abundância dos insetos: “A terra, além de se estar muito infestada
de formigas, chamadas saúvas, insetos que segundo me informaram, não deixa
vingar nenhuma casta de plantação”[2].
Índios mura, figura extraída do Livro
de SPIX & MARTIUS. 1981. Viagem pelo Brasil (1817-1820). Belo Horizonte,
São Paulo: Itatiaia, EDUSP. (Volume 3)
Muras
Outro problema enfrentado pelos moradores do
lugar era o conflito com os INDIOS MURAS, que rebeldes à catequização e ao
aculturamento, atacavam as missões e lugares organizados pelos portugueses. Ribeiro
de Sampaio descreveu o assunto com as seguintes palavras: “Esta é a quarta
situação, que tem tido este lugar, tendo sido mudado de várias paragens do
Amazonas por causa das pragas dos mosquitos, e dos Muras”.
A ameaça dos muras era constante também dentro
do Lago de Coari, lugar do quarto assentamento da missão carmelita, presença
que dificultava a plantação para os moradores de Alvelos: “Não havia plantação,
porque os moradores não podiam cultivar os seus terrenos centrais, devido aos
índios MURAS.”[3] Ainda
falando sobre este povo guerreiro e os perigos que eles representavam para os
habitantes de Alvelos, o assunto fica esclarecido nas seguintes palavras: “No
lugar Alvelos... Não há aqui plantações algumas, sendo a causa o receio do
gentio Mura, que não deixa utilizar as terras remotas da povoação, que são as
mais férteis”[4].
No entanto, de acordo com a carta de Mello e Povoas, em 1759 o governador que iria remover o destacamento militar do Lugar
Alvelos pelo fato de entender que os seus moradores já formavam um “corpo
suficiente para poder evitar todo o insulto lhes quiser fazer os Muras”[5].
O relato do explorador inglês Paul Marcoy, por
ocasião de sua passagem por Coari em 1847 deixa clara a presença dos Muras, não
muito distante de Alvelos. Havia a intenção dos religiosos de realizarem o
mesmo trabalho de catequização no Lago do Mamiá que havia sido feita no Lago de
Coari:
“O Lago do Mamiá, que desviamos para examinar quando passamos
defronte à sua embocadura, é um lençol de água preta de cinco a seis léguas de
circunferência, alimentado por um rio que vem do interior. Comunica-se com Lago
de Coari através do canal Isidoro que já falamos. Algumas famílias de Muras
viviam nas suas margens, aparentemente ignaras dos projetos que o Cura de Coari
acalentava para o seu futuro. O bom padre conseguira do comandante da Barra do
Rio Negro autorização para fundar uma missão entre os Muras do Mamiá. Tendo
construído as casas necessárias ele sugeriu, como me disse, empregar os
conversos no plantio de dez mil mudas de café que no devido tempo, se tornariam
uma considerável fonte de receita. Uma vez que o homem de Deus nos havia pedido
sigilo não pudemos, qualquer que tivesse sido a nossa intenção, informar os
Muras através de piloto sobre o futuro risonho que o missionário lhes estava
preparando”.[6].
É de fácil interpretação que os muras povoavam
intensamente a região que hoje é o município de Coari, de acordo com outro registro
que permite esta interpretação e que diz o seguinte: “Como na distância que
medeia o Rio Coari, e o Tefé, na margem austral do Amazonas é maior o perigo,
que ameaça o gentio Mura, se poderá continuar a viagem pela margem oposta”[7].
Mesmo assim, com o passar do tempo os Muras
chegaram inclusive a manter uma espécie de relação intertribal onde havia troca
de produtos, mas mantinham a resistência a qualquer tipo de envolvimento social
com o modo de viver proposto pelos portugueses, o idioma falado pelos Muras
também era um obstáculo. Especificamente sobre Alvelos é dito: “É lugar frequentado
do gentio Mura: trazem tartaruga, flechas, e salsa, e os moradores lhes
recompensam com facas, machados, etc. Porém não há como trazê-los a vida
social, e menos ao grêmio da igreja, sendo o maior obstáculo a ignorância do
idioma”[8].
A resistência destes nativos se prolongou por mais de cem anos. Durante todo
este tempo conseguiram manter afastada a expansão colonial. Apenas no final do
século XVIII, as missões carmelitas conseguiram aldear indígenas arredios.
Localização
Geográfica
Além destas dificuldades, a localização
geográfica não favorecia o desenvolvimento da localidade. O lago tão abundante
de águas no período da cheia tornava-se um verdadeiro obstáculo no período da
vazante, o que explica a futura mudança do povoado que ocorreria novamente.
Sobre a dificuldade se chegar ao povoado de Alvelos, foi descrito que “nas mais
fortes secas, apenas resta um canal navegável para o lugar Alvelos, situado a
três léguas do interior, à margem oriental do lago”.[9].
No período de enchente, o lugar ficava exposto às
intempéries. Os temporais constantes na cheia, ondas gigantes que se levantavam
capazes de afundar qualquer embarcação, e as praias na seca que não permitiam
os barcos navegarem até o local eram devido à localização do povoado. Francisco
Xavier Ribeiro de Sampaio observou estes detalhes falando sobre o lugar: “... É,
porém muito sujeito a trovoadas, que com grande fúria ali abatem”. Observador,
o estudioso afirma que se “esta situação ficasse mais próxima da barra, se
poderiam aproveitar seus habitantes das terras do Amazonas (Solimões),
principalmente das Ilhas para a plantação do cacau” [10].
Novamente a descrição da má localização é realizada por outro autor: “Também o molestam com frequência
desabridas trovoadas: e a distância de 4 léguas, que o separa do Amazonas, não
lhe permite a comunidade de utilizar-se das suas ilhas, que são muito aptas
para várias plantas. Há ali ananases singulares na doçura e na variedade das
espécies”[11]. As dificuldades de
acesso pela má localização geográfica são ressaltadas por outro escritor da
época. Primeiro a localização que não favorecia ao desenvolvimento por ser
“açoitado por ventanias fortes”, depois o problema com a dificuldade para a
agricultura e o acesso da localidade: “o solo é árido e a distância em que está
da foz do rio dificulta o acesso, principalmente no tempo da seca, por haver
uma cachoeira na parte mais estreita da baia, que só permite passagem à
montaria (canoa)”[12].
Doenças
Esta localização no lago favorecia o
aparecimento de doenças, principalmente nos tempos de enchente e vazante do
lago: “as bexigas, e muito recentemente febres intermitentes malignas, causadas
pelo transbordamento do lago, dizimavam de quando em quando a população, que,
sem o socorro médico, ainda mais depressa sucumbe. Infelizmente, em toda a
província do Rio Negro não há um médico diplomado”. A bexiga citada no texto
histórico é o que hoje chamamos de varíola, e os habitantes de Alvelos, assim
como os nativos da região contavam apenas com a providência divina e com os
conhecimentos das ervas medicinais abundantes na região, utilizando-as no
tratamento de doenças.
O ano de 1775 foi um ano difícil para os moradores de Alvelos, segundo registros históricos “a povoação tinha tido aumento em vários descimentos; mas aquele ano tinha padecido grave diminuição por causa do contágio das bexigas, morrendo dele muitos indivíduos e desertando outros para o mato, como costumavam nessas ocasiões...” [13].
No período de cinco anos que vai de 1755 a 1760, 46 missões foram elevadas à categoria de vilas em toda a Amazônia[14], das quais nove estavam na Capitania de São José do Rio Negro: “Borba, criada em 1756; Barcellos, em 1758; Moura, em 1758; Serpa, em 1759; Silves, em 1759; São Paulo de Olivença, em 1759; Ega, em 1759; São José do Javari, em 1759; e São Francisco Xavier de Tabatinga, em1759”.[15]
[1] Idem.
[2] Idem.
[3]Panoramas Amazônicos. Coary. Imprensa Pública. 1933.
Anísio Jobim.
[4]Annaes da Bibliotheca e Archivo Publico do Pará Belém
(Brazil). Bibliotheca e Archivopublico Imprensa de Alfredo Augusto Silva, 1906
- vol. 5-6. Pag. 110.
[5] Carta de Joaquim de Mello e Póvoas para Francisco
Xavier de Mendonça Furtado. Barcelos, 15 de
janeiro de 1760 (In:
CEDEAM, 1983, doc. 10).
[6]
Viagem pelo Rio Amazonas. Paul Marcoy, Antonio Porro. EDUA, Editora da Universidade de Amazonas, 2001. Pag. 147.
[7] Coleção de Notícias para a História e Geografia das
Nações Ultramarinas que Vivem nos Domínios Portugueses ou lhe são Vizinhas.
Academia Real das Ciências. TOMO VI. Lisboa. 1856. Pag.40.
[8] Jornal de Coimbra. 1813.Volume 4. Na impressão régia.
Pag 350.
[9] Viagem pelo Brasil, 1817-1820. Por Johann Baptist Von
Spix, Karl Friedrich Philipp von Martius, Lucia Furquim Lahmeyer, Basílio de
Magalhães. Publicado por Itatiaia, 1981. Pag. 171.
[10] Diário da Viagem que em visita, e correições da
povoação da capitania de São José do Rio Negro que fez o Ouvidor e Intendente
Geral da Mesma FRANCISCO XAVIER RIBEIRO DE SAMPAIO, no ano de 1774 e 1775.
[11] ENSAIO COROGRÁFICO SOBRE A PROVÍNCIA DO PARÁ. Edições
do Senado Federal – Vol. 30. Antônio Ladislau Monteiro Baena. Brasília – 2004.
Pag. 294.
[12] Roteiro de Viagem da Cidade
da Barra do Rio Negro, Capital da Província do Amazonas, até a povoação do
Nauta na República do Peru, 1854.
[13] Idem.
[14]
Corrêa, 1989, p. 259-60
[15] Universidade do Amazonas,
1983, p. 201.
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