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COARI: DETALHES HISTÓRICOS DO LUGAR ALVELOS ANTES DE E ATÉ SER ELEVADO A CONDIÇÃO DE FREGUESIA

Daniel Maciel Gomes

 

O desenho acima, de 1873, é de autoria do naturalista francês Paul Marcoy ilustra a importância econômica dos recursos aquáticos na Amazônia naquela época.

Por esta época de transformação dos aldeamentos indígenas em vilas, a aldeia de Coari foi também uma destas, elevada ao grau de lugar no ano 1759, segundo a legislação da época, sob o nome de Alvelos pelo coronel Joaquim de Mello, governador da Capitania de São José do Rio Negro, ainda que o lugar continuasse subordinado à Ega, atual município de Tefé. Lugar, assim denominado, era uma categoria geográfico-administrativo equivalente a um pequeno povoado, de onde surge a moderna denominação lugarejo.

 Uma correspondência de Joaquim de Mello e Povoas, encarregado de criar várias vilas na Capitania do Rio Negro, para o Marquês de Pombal informa em 1760, sobre o lugar Alvelos dizendo que gostou “muito desta Situação (localidade) por ser mui alegre muito bem assentada, e ter muita fartura: o Capitão José da Silva Delgado cuidou muito na Igreja, que sem duvida está asseadíssima; e a escola também me pareceu muito bem por ter bastantes rapazes, e quase todos falando português[1]

 Essa nova condição política e administrativa do lugar, permitiu a Alvelos receber a visita do ouvidor e intendente geral Francisco Xavier Ribeiro de Sampaio, que ao chegar ao lugar, encontrou como diretor em Alvelos Domingos de Marcedo Ferreira, tido por Francisco Xavier “como desinteressado e zeloso” [2].

 No livro Viagem filosófica pelas Capitanias do Grão Pará, Rio Negro, Mato Grosso e Cuiabá, escrito por Alexandre Rodrigues Ferreira é citado um trecho de uma carta do administrador de Alvelos para com a seguinte transcrição:

“No dia 14 de março chegaram à minha presença recolhidos de uma pescaria os dois soldados auxiliares Caetano de Lira e Agostinho de Carvalho e um índio por nome Francisco, os quais me disseram que indo andando pela margem do Solimões, que chamam Paricatuba, encontraram cinco canoas de muras, a que os ditos auxiliares e índio quiseram atirar: o que vendo os referidos muras, logo sem pegar em arco e frechas para a defesa, se levantaram e em altas vozes gritaram – camarada Matias – tenente-coronel; e para maior sinal, mostraram também uma camisa e um calção; vendo porém os referidos auxiliares e índios ser aquela senha que V. Mcê. em um ofício me participou para eu instruir os moradores deste lugar; logo aportando ao pé das canoas dos ditos muras, com eles estiveram; e na despedida, forneceram aos ditos gentios com alguma farinha; tornando a apartar e sem que houvesse alguma novidade que pusesse em suspeita ao dito gentio. Deus guarde a V. Mercê. Alvelos, 18 de março de 1785.Diretor Domingos de Macedo Ferreira”. [3].

     O ouvidor Francisco Xavier Ribeiro de Sampaio, intendente geral da capitania de São José do Rio Negro escreveu três trabalhos com base em suas viagens de inspeção as capitanias realizadas no final do terceiro quarto do século XVIII que são uma das mais importantes fontes de informação sobre aquela época.

     Estes trabalhos não estão disponíveis, mas é possível consultar a interessante tabela "Mapa dos índios, fogos e de todas as mais circunstâncias que a respeito de cada vila, e lugar de índios na capitania do Rio Negro observou o intendente Francisco Xavier Ribeiro de Sampaio na correição que delas fez no ano de 1774 e 1775" que Carlos Moreira Neto reproduz nas pp. 214-215 de seu livro Índios da Amazônia, onde o intendente Francisco Xavier informou com detalhes o número da população indígena do lugar em um total de 378 pessoas.

     A observação do intendente não ficou apenas nos números, mas no fato de descrever que em tempos passado ter havido em Alvelos uma população maior de nativos da região, que diminuiu significativamente “por causa do contágio das bexigas morrendo deles muitos índios e desertando outros para os atos, como continuam nestas ocasiões” [4].

     A criação da paróquia em 1774 marca a influência do poder religioso como marco da vida social do povoado, desde antes estabelecido nas missões.

     Alvelos caracterizava-se em sua formação populacional pela miscigenação própria da formação da nação brasileira, incrivelmente composta de várias raças e povos diferentes, convivendo numa pequena faixa de terra, sem muito progresso próprio do lugarejo oculto dentro de um imenso lago de águas escuras, levando uma vida pacata e distante do mundo civilizado, conforme Caetano Brandão registrou: “os soldados vindos do reino, e casados com índias vivem pobremente por falta de braços para cultivarem a terra” [5].

     Este povoamento de pessoas tão diferentes, de culturas tão diferenciadas viviam naquele lugar denominado Alvelos, lugarejo pequeno sem, no entanto deixar de ser um lugar de formação de sonhos antigos, de luta pela sobrevivência e pela vida.

     Aos poucos o número de habitantes do lugar crescia. Alguns dos viajantes, que por aqui passaram, deixaram registros variados como o que segue sendo um verdadeiro censo do local, com a numeração da população em seus diversos matizes, em um tempo em que a convivência intercultural passou do simples contato até a constituição de famílias através do casamento de nativos e soldados. Sobre a população, assim descreve o historiador Antônio Baena sobre Alvelos no século XIX: “Numera-se na sua população 41 homens brancos, 38 mulheres brancas, 88 mamelucos, 75 mamelucas, 51 índios, 61 índias, 05 escravos e 03 escravas” [6].

     Apesar da dificuldade de acesso ao lago, dos insetos que infestavam a região, dos índios mura que eram uma ameaça aos moradores, a região próxima a Alvelos era muito rica, segundo Baena: “Coari: rio de água preta na aparência. É farto de peixe e de tartarugas, que soterram os ovos em belíssimas praias de areia alva e limpa; as matas têm salsaparrilha e óleo de cupaúba. Unem-se a esterio, pelo ocidente para formar uma grande bacia pouco acimada sua foz, os rios Urucúparaná (Rio Urucu atualmente) e Arauá (Rio Aroã atualmente): a dita foz demora na latitude austral 4º3’ e longitude 314º18’. Acima da mesma foz estão as ilhas Jurupari e Juçaras, onde constantemente fazem as tartarugas o seu desovamento e por isso ali se faz anualmente muita manteiga”[7].

     No início do século XIX, em sua viagem pelo Brasil (de 1817-1820), Spix e Martius relatam que acharam “nessa ocasião, apenas poucos moradores presentes, pois a maioria dos homens estava longe nas caçadas ou no preparo da manteiga de tartaruga. De fato, já desde tempo minguava continuamente a população do lugarejo”. Do mesmo período é dito em outra obra, onde o escritor Caetano Brandão afirma que “Alvelos de povoação pequena não chega a contar trezentas pessoas entre índios e moradores”.[8] A localização geográfica de Alvelos é descrita com detalhes, assim como a arquitetura e o estado em que a construção da igreja se encontrava: “As casas são de palha e muito danificadas; a igreja, ainda que coberta de palha não fora má; mas presentemente, inclinada toda para uma banda, ameaça grande perigo; trabalha-se em aprontar outra, e já esta em boa figura; é muito pobre de ornamento e alfaias” [9].

     Abro espaço aqui para mostrar que os antigos estudiosos já encontraram abundância da árvore de açaí, que é típica de nossa região cujo  vinho é muito consumido, desde aquela época: “Bosques da palmeira de espinho juari (...) alternam, com troncos espaçados da elegante palmeira açaí (...) É a ‘euterpe edulis’ (Martius), peculiar do Norte do Brasil, e da qual se faz no Pará o tão elogiado vinho (...) e emprestam a paisagem em cunho de pujante natureza tropical. Arredores de Coari, 1819”[10].  

     Dar para ter ideia como era o pequeno lugarejo, a forma da organização das casas, descrita por Baena como “tudo em uma só rua, que corre entre umas barreiras medianas e um igarapé, cujas águas são louvadas de boas. Já teve 300 fogos (casas): hoje só tem 168. A Igreja é consagrada a Senhora Santa Anna: tem cobertura de telha os domicílios são cobertos de ramagem...” [11].

     Não são apenas essas as impressões e informações históricas, que nos mostram o contorno sociológico daquele lugarejo no século XVIII e XIX. Elas nos mostram como era a vida de nossos antepassados, permitindo entender como o processo histórico foi construído e como foi estabelecido o lugar como futura cidade que viria a ser, ainda que em outro lugar não muito distante. Essas informações são raras e importantes do ponto de vista histórico. Infelizmente só temos o ponto de vista dos invasores, que chegaram ao Brasil, vindos de além-mar, e que dizimaram as populações indígenas, povos que habitavam primitivamente a região, não temos nenhum registro, pelo menos que eu tenha encontrado nesta pesquisa, do ponto de vista dos nativos da região.

     Aquela Vila encravada no Lago de Coari era cercada por uma natureza exuberante, intocada e selvagem; nestes primórdios era pouco explorada pelos homens, com a presença dos animais selvagens nativos, despertando medo, viviam circundando o povoado, representando imenso perigo para os primeiros moradores, conforme relato dos médicos alemães J. B. vonSpix e C. F. P. von Martius, que viajaram pelo Brasil no século XIX, e puderam registrar um fato do cotidiano que entrou para a história, mostrando como os antigos moradores viviam tão perto da natureza selvagem e perigosa:

 

"Dois dias antes, um enorme jacaré, que vivia na vizinhança, e conhecido de todos desde muito tempo, havia virado a igara de um índio que regressava, e o devorava. Vindo ainda como a terrível fera e a sua geração brincavam com a cabeça do desgraçado, e toda a povoação estava tão aterrada diante do horrível espetáculo, que renunciamos ao projeto de percorrer de canoa as margens circundantes do lago"[12].

     Esse fato registrado pelos dois médicos alemães ainda se repete esporadicamente na atualidade, mesmo com todo o aumento populacional no interior do município, nas regiões mais distantes, principalmente nas cabeceiras dos rios, há casos de ataque de jacarés. Fiz questão de registrar este fato histórico, pois serve para termos uma visão do cotidiano da Vila Alvelos, e da reação dos moradores aos perigos da floresta naquela época, assunto que é muito valioso pelo fato de terem sido registrados em período de tempo tão distante de hoje.

     Elevação de Alvelos à condição de Freguesia

     A partir do ano de 1833, o lugar de Alvelos foi elevado à freguesia, mas ainda estava vinculado a Tefé. O lugar mudaria de localização pela última vez, devido à dificuldade de acesso já referida neste capítulo, pois principalmente no tempo da seca os moradores da freguesia de Alvelos sofriam com a difícil locomoção para o povoado.



[1] RIO NEGRO, 1760, cx. 1, Doc. 24, AHU, avulso, ms.

[2] Panoramas Amazônicos. Coari. Imprensa Pública. Anísio Jobim.

[3] Viagem filosófica pelas Capitainias do Grão Pará, Rio Negro, Mato Grosso e Cuiabá: pt.1] Memorias. Zoologia, botânica. [pt. 2] Memórias. Antrópologia. Alexandre Rodrigues Ferreira, Joaquim José Codina, José Joaquim Freire, António José Landi

Conselho Federal de Cultura, 1974. Pag. 115.

[4]Annaes da Biblioteca e Archivo Público do Pará / Por Belém (Brazil). Biblioteca e Arquivo Público. 1906

[5] Memórias para a História da Vida do Venerável Acerbispo de Braga D. Fr. Caetano Brandão. Tomo 1. Segunda Edição. Braga.  1867. Pag. 316.

[6] Ensaio Corográfico sobre a Província do Pará Por Antonio Baena. Senado Federal, Conselho Editorial, 2004

[7] Ensaio Corográfico sobre a Província do Pará Por Antonio Baena. Senado Federal, Conselho Editorial, 2004. Pag.364.

[8] Memorias para a Historia da vida do Venerável Arcebispo de Braga D. FR. Caetano Brandão.

[9] Idem.

[10] Viagem pelo Brasil, J. B. von Spix e C. F. P. von Martius, O volume (p. 252-253) . Impr. nacional, 1938. Vol. 3. Pag.59.

[11] Antônio Ladislau Monteiro Baena.

[12] Spix, J.B. e Martius, C.F.P.V., Viagem pelo Brasil, III, Rio de Janeiro 1938.  Pág. 253.


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