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A IMPORTÂNCIA DO PADRE JESUÍTA SAMUEL FRITZ PARA A HISTÓRIA DE COARI.

Daniel Maciel Gomes

O missionário Samuel Fritz

O missionário Samuel Fritz fez parte de um grande grupo de religiosos que na Época Moderna, assumiram a tarefa de expansão da religião católica em várias partes do mundo. Na América a tarefa de evangelização dos nativos foi um compromisso assumido pelas Coroas Ibéricas a tornar legítimos os seus direitos aos territórios que passavam a colonizar.

 O religioso Samuel Fritz nasceu na vila de Orania, em 9 de abril de 1654, na cidade de Trutnov (Boêmia do Norte, hoje Alemanha). Em 1672 viajou para Praga com o intuito de estudar filosofia. A sua vida religiosa foi marcada pela decisão de ingressar na Companhia de Jesus.[1] um ano mais tarde aos dezenove anos quando já acumulava vastos conhecimentos de Humanidade e Filosofia. Samuel Fritz foi registrado como tcheco de Trutnov quando se matriculou na universidade. Em 1680 Samuel Fritz mudou-se para a Universidade Olomouc onde passou a estudar teologia e em 1683 decidiu tornar-se missionário e solicitou ao superior da ordem que fosse enviado ao Novo Mundo. Finalmente, em 14 de novembro foi chamado por Roma a se incorporar às fileiras missionárias.

 No continente sul-americano, Samuel Fritz trabalhou entre os Omágua, povo Tupi do Alto Amazonas, durante quase 20 anos. Os índios Omágua formavam então grupo étnico numeroso e muito temido, que habitava pequenas ilhas e as margens do vale médio do Amazonas, onde Fritz fundou quase 40 missões. Samuel Fritz era conhecido pelos trabalhos como escultor e pintor, tendo enfeitado várias igrejas da área onde fazia missões.

 No início de 1689, o religioso empreendeu uma grande navegação pelo rio Amazonas, em direção às possessões coloniais portuguesas. Dedicado à sua missão e praticamente sozinho, ele trabalhou por quase 40 anos no meio dos nativos para cumprir o que considerava ser seu dever missionário.

 Em consequência deste trabalho árduo e enfrentado enormes distâncias, obstáculos naturais, caminhos fluviais perigosos e o clima quente e úmido fizeram o sacerdote jesuíta adoecer. Sofrendo de malária e de verminose, doenças que o fizeram ficar durante três meses numa rede, sem nenhum atendimento médico.

 Resignado em sua fé, o padre enfrentou a situação como uma provação do demônio. Resistindo a doença até que, quase inconsciente, foi colocado pelos índios numa canoa, e eles desceram a corrente do Amazonas procurando ajuda indo em direção dos povoados portugueses. Quando a tropa portuguesa retornava, passou por aquela aldeia e encontrou o padre Samuel Fritz quase agonizante.

 Percebendo a gravidade do seu estado de saúde, o também jesuíta João Garzoni, capelão da tropa, optou por enviá-lo ao Colégio da Companhia de Jesus, em Belém, para melhor tratamento. Sendo confundido como espião pelo governador o missionário ficou detido na cidade por dezoito meses. Oito meses depois, devido à intervenção de Bettendorff e Jodokus Perrett, chegaram ordens reais à capital do Grão-Pará que determinavam o regresso de Samuel Fritz para o Rio Negro por ordem da Coroa portuguesa.

 O jesuíta regressou a sua missão, em julho de 1691. Uma das obras mais importantes é o mapa do Amazonas que o Padre Fritz desenhou no ano 1691, baseado no material oferecido por outro jesuíta alemão, Konrad Pfeil, em Belém. Este mapa, traçado com base nas medições que tornou durante sua viagem, é considerado a primeira imagem exata do rio Amazonas.

 A experiência no Grão-Pará fez do padre Samuel um ativo lutador pelos direitos dos indígenas, posicionando-se como defensor dos interesses do rei espanhol, em um momento marcado pela disputa colonial entre as coroas ibéricas.

 Há um trecho de uma carta de Samuel Fritz endereçada ao padre Diego Francisco Altamirano, em Março de 1696 que é importante registrar para a história uma vez que a vida desse religioso perpassa a história de nosso município:

  Março de 1696. 

 (...) “De meu Diário deste ano de 1696 aponto 0 seguinte. (...)”.

 (..) Também reparei que esses índios (Yurimágua e Aisuare) escutam com atenção as coisas da fé e mostram desejo de aprendê-las, muito ao contrário dos Omáguas, que enquanto os estou catequizando se distraem e falam.

 O conceito que esses índios têm de mim, julgo seja devido a que eles pensam ser eu homem de espécie diferente dos demais e que não irei morrer, pois falando-lhes sobre as coisas da outra vida e que todos haveremos de morrer, um cacique Aisuare me interrompeu dizendo: “Absit hoc a te; vós não haveis de morrer, porque se morrêsseis, a quem teríamos por nosso pai, amador e protetor?”

 Os tremores e eclipses que tem havido esses anos, a mim os atribuem, dizendo em lágrimas: “Que fizemos ao Padre, que nos fez morrer o Sol?“ De 200 léguas abaixo de San Joachim, onde eu estava, enviaram-me certa ocasião, de presente, uns cestos de farinha de mandioca, e o cacique deu ao índio portador incumbência de rogar ao Padre que não lhes eclipsasse mais o Sol. Não sei se nessas terras houve jamais semelhante demonstração. (...)

 Também me deram notícias aqui, os Yurimágua, das mortes de uns Padres de nossa Companhia que ocorreram no Orinoco. Os matadores foram uns índios gentios das cabeceiras do Rio Negro, chamados Caripuna, com outros que se chamam Guaranácua; e agora nessa última subida ate San Joachim veio comigo um índio que tinha ido ate esses Guaranácua, de onde (em) poucos dias, por terra, entram no Orinoco. Desses bárbaros remotos em direção do Orinoco, me dizem que já não vão matar mais, e embora não me tenham visto nem ouvido, pelo que contam umas nações de comerciantes a outras do que lhes prego aqui, dizem que já creem em minhas palavras. Essas são as noticias que recolhi nessa minha visita aos Yurimágua e Aisuare.

 A 28 de marco parti para cima acompanhado de muitos Yurimágua, que vieram livremente remando por mais de quarenta dias, sem querer afastar-se do meu lado.

Nessa subida para San Joachim, caminhando pela província Omáguas, encontrei em duas paragens uns índios gentios que chamam Guareicu, cujo principal assento é junto ao rio Yutai. E gente pacífica e já ha anos tenho feito amizade com eles, mas por falta de Padres não se aldearam (“no hansalidoapoblarse”).[2]

 Antes do conflito, no ano de 1704, Samuel Fritz foi nomeado superior de todas as reduções de Maynas. Voltando a Quito, nomeou com seu substituto o Padre João Batista Sana.[3].

 Os conflitos religiosos que resultaram na posse das aldeias dos jesuítas pelos carmelitas, foram momentos que marcaram a posse da região do Solimões e foram decisivos para a formação de muitos dos futuros municípios, inclusive o de Coari. No momento mais decisivo do episódio que marca o conflito entre os jesuítas e os carmelitas sobre a posse da região do Solimões o padre Samuel Fritz foi intimado pelos portugueses a comparecer e sair destas colocações onde fazia missões.

 Fritz não se fez presente e foi representado por sue companheiro, o jesuíta João Baptista Sana, que fingindo obedecer à intimação da coroa portuguesa, evacuou as missões para retornar então um ano mais tarde. Foi então que no ano de 1709, comandando uma quantidade de índios para combater os portugueses, Sena voltou a ocupar os aldeamentos devastando os estabelecimentos instituídos no Rio Solimões.

 O religioso resistiu os portugueses em conflitos que duraram quase um ano. Os embates na região serviram para devastar os povoados que haviam sido estabelecidos no local. O conflito armado foi superior ao diálogo, mesmo em nome da religião.

 Em 1709, no mês de fevereiro, o conflito aconteceu como nos relata Arthur Reis:

O governador Christovão da Costa Freire, tendo recebido da corte carta régia de 20 de março de 1708, mandando expulsar de vez os jesuítas espanhóis no Solimões, tratou de executá-las, destacando um corpo de sertanistas e soldados, comandados pelo capitão Ignácio Corrêa de Oliveira. O padre Sana foi intimado a evacuar sem tardança o território até o Napo. Sem elementos para oferecer resistência, retirou-se com os companheiros, certificando-se do que ocorria a Samuel Fritz. Este em carta ao Capitão Ignácio discutiu os direitos do que se valia a Espanha, lançando o seu protesto contra a invasão. Deixaram de atender-lhe aos argumentos. E vários Carmelitas ocuparam as missões para trazê-las à comunhão portuguesa” [4].

 Por volta de 1710 que os portugueses destruíram as missões dos espanhóis e se e se apoderaram das vilas e povoados, mudando das mãos dos religiosos jesuítas para os carmelitas portugueses. Um destes aldeamentos envolvidos nesta batalha foi o de Nossa Senhora de Santana de Coari, estabelecido à margem direita do lago de Coari pelos jesuítas espanhóis, o local que seria de fato a célula de origem do futuro município.

 Samuel Fritz retirou-se para Quito, na época pertencente ao vice-reino do Peru (desde 1637), onde permaneceu até a sua morte no dia 20 de março de 1752. A expulsão oficial dos jesuítas se deu pelo ato régio de 06 de junho de 1755[5].  O padre Samuel Fritz ficou conhecido como “O Apostolo do Amazonas”, faleceu em 1725.

 A atuação deste padre jesuíta no Amazonas foi de grande destaque no trabalho da catequização e fundação de muitos povoados do Solimões. Durante 42 anos ele trabalhou na Amazônia e catequizou os Omáguas, Yurimáguas, Aisuaris e Ibanomas sendo o real fundador do aldeamento de Coari. A vida e a história do padre alemão estão intimamente ligadas à origem da futura cidade de Coari e de outras cidades do Solimões.


[1] A Companhia de Jesus, cujos membros são conhecidos como Jesuítas, é uma ordem religiosa fundada em 1534 por um grupo de estudantes da Universidade de Paris, liderados pelo basco Íñigo López de Loyola (Santo Inácio de Loyola). 

[2]A tradução carta do Padre Samuel Fritz foi extraída da obra “Noticias autênticas do famoso no Marañón e missão apostólica da Companhia de Jesus da Província de Quito nos dilatados bosques do dito rio”, de Paolo Maroni (autor presumido), e transcrita e anotada pelo Prof. Antonio Porro em “As Crônicas do Rio Amazonas”, Editora Vozes Ltda.

[3] CF. REIS. Arthur Cesar Ferreira. História do Amazonas, p.91.

[4] Cf. REIS, Arthur César Ferreira. História do Amazonas. P.91

[5] O Marquês de Pombal extinguiu o poder temporal dos Jesuítas e decretou a expulsão dos religiosos.


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